Oi, tudo bem?
O Lambrequim desta quinzena lembra que a terra também canta. Eis o que preparamos para a edição 199 do nosso quinzenário incidental:
🌗 Uma tentativa de proteger nosso patrimônio celestial;
🌗 Uma seleção de links para você ver as horas em código Morse, ver uma aula interativa de ciências & transferir suas playlists do Spotify para o YouTube Music;
🌗 E uma investigação sobre como a natureza pode cantar o hino de um país.
É isso! Compartilhe o Lambrequim com seus amigos e boa leitura!
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NERES DE NERES
A Batalha para Proteger Nosso Patrimônio Celestial
por
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Enquanto bilionários impulsionam a corrida espacial com foguetes, explosões e contratempos, um novo capítulo da história está sendo escrito — e a Lua, nossa eterna companheira celeste, clama por proteção.
Em um movimento inédito, o World Monuments Fund (WMF) incluiu a Lua em sua lista bienal de patrimônios culturais ameaçados, equiparando sua preservação à de tesouros terrestres como as estátuas da Ilha de Páscoa ou as pirâmides do Egito.
Por que a Lua precisa de proteção?
A superfície lunar abriga aproximadamente 90 locais históricos, repletos de artefatos deixados por missões americanas e russas das décadas de 1960 e 1970. Entre eles, destaca-se o local de pouso da Apollo 11, onde Neil Armstrong e Buzz Aldrin deixaram as primeiras pegadas humanas fora da Terra em 1969.
Com o advento de novas missões espaciais, especialmente aquelas lideradas por empresas privadas, cresce a preocupação de que esses locais históricos possam ser comprometidos ou até destruídos.
“Imagine visitar Machu Picchu e deixar uma lata de refrigerante no topo das ruínas. É isso que queremos evitar na Lua”, explicou a porta-voz do WMF ao The New York Times (link anterior).
Embora existam iniciativas como os Acordos de Artemis — propostas pela NASA para cooperação internacional na exploração lunar —, as regulamentações atuais são consideradas insuficientes para garantir a proteção efetiva desses sítios históricos.
Especialistas apontam que o Tratado do Espaço Exterior de 1967, que rege as atividades espaciais, não prevê mecanismos claros para a preservação do patrimônio lunar, especialmente diante da crescente participação do setor privado na exploração espacial.
Recentemente a SpaceX viu seu foguete Starship explodir, espalhando detritos até nas ilhas Turks e Caicos, a Blue Origin adiou seu lançamento pela quinta vez em um mês. Ainda assim, o setor não desacelera. Dados revelam que o turismo espacial deve multiplicar seu valor por 40 vezes até 2033, alimentado por voos milionários e planos colonizadores.
Lua: mais que um satélite, um símbolo
Além de regular as marés e inspirar poetas, músicos, artistas em geral e ser o despertador natural de lobisomens e vampiros, a Lua desempenha um papel central em diversas culturas ao redor do mundo. Por exemplo, na mitologia japonesa, Tsukuyomi é reverenciado como o deus da Lua, irmão de Amaterasu, a deusa do Sol. Entre os incas do Peru, a Lua era adorada como a deusa Mama Quilla, considerada protetora das mulheres e responsável por regular o tempo. No Brasil, a tradição popular enxerga nas manchas lunares a figura de São Jorge montado em seu cavalo, enfrentando o dragão.
Proteger a Lua é preservar tanto sua geologia quanto as narrativas que, por milênios, a transformaram em um espelho da alma humana — onde mitos, sonhos e ciência se refletem juntos.
O WMF não sugere interromper a exploração espacial, mas enfatiza a necessidade de equilibrá-la com responsabilidade. Propõe-se a criação de “zonas protegidas” na Lua, semelhantes a parques nacionais na Terra, além do desenvolvimento de tecnologias de monitoramento remoto para assegurar a integridade desses locais históricos. A questão central permanece: como proteger um corpo celeste que não pertence a nenhuma nação específica, mas é patrimônio de toda a humanidade?
Curiosidade: Em 2020, a NASA divulgou novas diretrizes para prevenir a contaminação biológica durante missões humanas e robóticas na Lua e em Marte. Essas diretrizes, conhecidas como NASA Interim Directives (NID) 8715.128 e 8715.129, visam proteger locais históricos de pouso e evitar a introdução de organismos terrestres nesses corpos celestes. A implementação dessas medidas pode ser considerada um passo inicial em direção ao desenvolvimento de uma legislação interplanetária mais abrangente.
NUM UPA!
⚡ Uma aula interativa de ciências (em inglês).
⚡ Jogo: Ligue os pontos.
⚡ Um relógio de código Morse.
⚡ Um site para transferir suas playlists do Spotify para o YouTube Music.
INVESTIGAÇÕES MUSICAIS
Quando a Terra Canta: O Hino Nacional da Colômbia Reimaginado Pela Natureza
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Antes do primeiro raio de sol tingir o horizonte e a névoa se dissipar entre as montanhas, o biólogo Santiago Monroy e o produtor musical José Álvarez já estavam em ação. Sua missão não envolvia partituras ou instrumentos tradicionais, mas sim captar as melodias naturais do país.
Com microfones parabólicos e gravadores de alta precisão em mãos, percorreram mais de mil quilômetros pelos ecossistemas colombianos para transformar a biodiversidade em protagonista musical.
O desafio? Recriar o hino nacional utilizando apenas os sons da natureza.
A expedição durou 12 dias e levou a dupla de cenários exuberantes como os Llanos Orientais até a Serra Nevada de Santa Marta, passando pelo misterioso páramo de Chingaza.
O despertar acontecia às três da manhã, sincronizado com o canto das aves e os ecos da fauna silvestre. Do rugido de um jaguar ao sopro do vento sobre a floresta, cada som captado carregava um pedaço da identidade sonora da Colômbia.
O resultado é uma obra emocionante apresentada na COP16, a conferência global sobre biodiversidade realizada em Cali.
O Som da Identidade Nacional
A ideia não surgiu do acaso. A iniciativa foi financiada pela seguradora Sura em parceria com a agência de publicidade McCann Colômbia, que buscava um projeto simbólico para representar a riqueza ecológica do país. “Se a biodiversidade é o coração da Colômbia, por que não deixá-la cantar?”, questiona Alejandro Barrera, diretor criativo da McCann.
A missão de transformar esse conceito em música coube ao compositor Miguel de Narváez, que descreveu o desafio como o mais emocionante de sua carreira. Compondo com os sons de 41 espécies de aves, três anfíbios, um jaguar e o eco de baleias, ele reconstruiu a melodia do hino nacional a partir da própria natureza.
“A Colômbia é o país com a maior diversidade de aves do mundo. Nada mais justo do que deixar essas vozes contarem nossa história”, explica Narváez.
Da Floresta para a Partitura
Monroy, especialista em bioacústica, traçou uma rota detalhada para garantir que os registros contemplassem as diversas regiões do país. Eles visitaram reservas naturais privadas, onde proprietários comprometidos com a conservação permitem que a natureza floresça sem intervenção humana.
Em locais como a Reserva Rey Zamuro, nos Llanos, e o Ecopalacio, em Chingaza, captaram sons únicos. Um dos momentos mais inesquecíveis aconteceu na Finca La Berreadora, onde um fazendeiro e guia de observação de aves os levou a um lek — uma arena de acasalamento do exótico galo-das-rochas. O ritual de cortejo dessa ave, com suas melodias intensas e cadenciadas, adicionou uma camadas de drama e autenticidade ao projeto.
O maior desafio veio na hora de organizar a sinfonia natural dentro da estrutura clássica do hino colombiano, composto em 1887. “As aves não seguem uma partitura, então tivemos que adaptar sem perder a essência”, conta Narváez. Para isso, Álvarez utilizou softwares especializados para ajustar tons e harmonizar os chamados da fauna com as notas da composição original.
Ao todo, foram mais de 20 horas de gravação e 700 arquivos sonoros trabalhados na edição. Cada nota precisava soar autêntica e, ao mesmo tempo, emocionante. “O mais difícil não foi encaixar os sons, mas fazer com que eles tocassem o coração dos colombianos”, revela Álvarez.
A Natureza Como Protagonista
Em meio à jornada, uma surpresa mudou o rumo da gravação. No páramo de Chingaza, um grupo de turistas apontava para uma coruja-diurna — uma espécie rara, que ali se manifestava em uma melodia singular. Durante 40 minutos, a ave entoou um canto hipnótico, que foi captado por Álvarez. Essas notas inesperadas se tornaram a abertura do hino, um simbolismo poderoso sobre como a natureza segue seu próprio compasso.
Quando a versão final do hino foi apresentada na COP16, a resposta foi avassaladora. “Tivemos relatos de pessoas que ouviram a gravação repetidas vezes, emocionadas”, diz Narváez. Nas redes sociais, colombianos celebraram a criação como um lembrete da exuberância natural do país — um tesouro que, apesar de protegido em 31% do território, ainda enfrenta ameaças como o desmatamento e a mineração ilegal.
Para Gabriel Oneiber Novoa Moreno, o guia que ajudou na captação do galo-das-rochas, ouvir o hino foi uma confirmação: “Proteger a natureza é o melhor legado que podemos deixar”. Já Monroy reflete sobre o verdadeiro significado do projeto: “Cada nota que coletamos é um chamado — não apenas para preservar as espécies, mas também as histórias que elas carregam”.
O hino está disponível online, convidando o mundo a escutar a Colômbia sob uma nova perspectiva: não como um país que apenas canta sobre sua natureza, mas como um lugar onde a própria natureza é a música.
Texto adaptado e traduzido do artigo: “How Scientists and Composers Teamed Up to Create a Stunning Natural Version of Colombia’s National Anthem” de Alexa Robles-Gil da Smithsonian Magazine.